terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Mágicos Seres

“Quando eu era pequetito, pequeno, mínimo, os mais antigos me falavam de povos e povoados mágicos e sobrenaturais que conviviam com nós, homens-sem-graça. Acreditava com força de coração que tais serem existiam, pois conseguia imaginá-los como grandes e pequenos dançarinos de espadas, magos-de-chapéu, dragones místicos e odaliscas ousadas. Conseqüentemente conseguia vê-los, falar e brincar com eles quando eu desejasse, mas o tempo foi passando, eu fui crescendo e me esquecendo deles. Já não lembrava mais de meus heróis e vilões que via outrora. Fui perdendo a inocência, e com ela todos meus primordiais prazeres. Mas será que todos esses povos morreram assim que parei de vê-los? Será que existiam apenas por alguém acreditar neles?

Fiz de meu propósito então buscar tais respostas. Procurei reis, anciões e sábios por esclarecimento. Percorri rios, lagos, montanhas, florestas e planícies a procura das estórias e memórias mais antigas do que os mais velhos carvalhos. Demorei a perceber que a magia e os seres que vivem dela nunca deixaram de existir, mas são sutis demais para os olhos secos e desgastos do homem ver.

Eles existem. E estão em todos os lugares que nós desusamos, como aquele canto escuro do quarto, onde normalmente perdemos as coisas, no quintal à noite, quando não há ninguém para ver, nas palavras dos livros, empoeirados e esquecidos em nossas gavetas trancadas. Eles estão lá, e não estão sem fazer nada.


Tal sutileza é a de seus feitos que passam despercebidos por nós, desde brincarem debaixo de nossas camas dando jus ao repentino receio antes de dormir até fazer-nos estar em ambos tempo e lugares certos (ou não), dos quais culpamos o destino ou o ato de um ser superior. Tais ações os fazem parecer seres grandiosos e onipotentes, o que de certo modo são, mas não a nosso modo de dizê-lo. Seus atos e modos de agir são de uma elegante sutileza, boba aos nossos olhos, mas ainda nos perguntamos por que aquela pedra estava exatamente ali, dentre todos os lugares que poderiam estar, bem quando estávamos saindo de casa com pressa e definitivamente não queríamos tropeçar e quebrar uma perna na escada.


Certamente não são como deuses: não morrem se desacreditarmos neles, mas com certeza a fé os da poder para se materializar ou nos induzir a vê-los, mesmo que por sonhos. É isso o que da a uma criança a sabedoria que o adulto não consegue ver, a tolice que não consegue entender e a imaginação que nunca poderá ter.”

Parte do diário recuperado de Trajano Dúbio, o Contador De Histórias.


Trajano Dúbio foi um escritor e bardo de uma época desconhecida, já que existem provas contraditórias de textos com estilos literários e passagens históricas diferentes em cada história. Alguns acreditam que ele era apenas um morador de rua inspirado, outros pensam que foi um bardo da realeza ou até um pseudônimo de algum dramaturgo famoso do final do séc. XVI.



Um comentário:

Anônimo disse...

Surpreendo-me com a recuperação do sublime Trajano por uma mente deste novo milênio. Mas não deveria, posto que a Rede tem sido pródiga em fornecer às velhas "seitas" neófitos curiosos. Oxalá mais pensassem e escrevessem hoje como Trajano pensou e escreveu.
Alvíssaras a ti, Sr. Abrahão, o bar em que serves só ganha por ter tal eminência humana em seu cardápio.
Saudações,
Lobato Légio